Hoje em dia está na moda lançar a
idéia de que “se não há argumento, parte-se para a violência”, com uma única
exclusividade, a de “enfeiar” o adversário. Essa prática não é somente ridícula
como é também um atestado de total ignorância, funcionando, quando com muito
otimismo, como uma boa cortina para não transparecer a fragilidade de quem a
pronuncia.
Recentemente alguém proclamou
essa frase em conversa comigo. Não pude sentir nada além de desprezo pela
pessoa, por seu total desconhecimento da situação corrente, por sua total
alienação. Foi um liberal quem me presenteou com tal pérola. Atualmente me enojo com os liberais, e isso não é falta de conhecimento da “causa”: já
convivi com muitos liberais, leio bastante de economia liberal – o que via ou
outra me traz a esse ou aquele liberalismo político – e fui a várias eventos e “debates liberais”.
Jamais fui liberal, mas já tive
certa esperança na causa. Ela foi subitamente extirpada quando me deparei, de
fato, com um evento liberal e os seus palestrantes. Era uma situação pícara,
onde não sabia se ria, chorava ou xingava: todos aqueles “imponentes” e
intelectuais liberais, de voz mansa, de gravatas borboletas, completamente
frágeis em si mesmos e que não demonstravam força e virilidade alguma. Sei que
a aparência não faz o homem, tampouco suas roupas, mas a forma como se aparenta
o faz, pois é um reflexo de sua essência. O que quero dizer com isso é que
havia uma ausência de virilidade, de espírito combativo sem tamanho, em todos –
eu reafirmo: todos – os liberais que já encontrei em minha vida. Suas entonações
de voz, seus excessivos “modos”, suas gravatas borboletas, seus modos de
andar... tudo era e é tão cômico. A um homem desses eu não confiaria uma
banana, mas eles lá e cá se projetam em nome de uma liberdade da qual,
provavelmente, desconhecem completamente – além da liberdade que é dada a todo
homem: a de ser ridículo.
Já assisti a certos eventos
liberais, já li muitos artigos liberais e já conheci, como dito, muitos
liberais. Todos defendem o livre-mercado, o potencial individual etc. Mas de
que defendem? De tudo isso que cá está, óbvio! Mas o que cá está? Cá está uma
situação onde impera a histeria, o grito, o movimento de massas, a emoção, a
irrazoabilidade, o vil, o mau-caratismo... Enfim, cá está uma situação em que
não se preza por norma alguma, absolutamente. Entretanto, que fazem os
liberais? Presenteiam-nos com argumentos sem fim; com artigos rebuscadíssimos
acerca da liberdade para, assim, tentar combater todo esse coletivo decadente. Não
faz efeito algum. Tal como há gente enriquecendo em nome das idéias
esquerdistas, não me parece que fazem, de fato, muita diferença, os tais
liberais, no tocante ao seu liberalismo... A liberdade econômica é só uma
conseqüência proveniente de uma moral pré-estabelecida, de valores bem
consolidados. Sem isso, ela é impossível e para se ter tal configuração social
é necessária uma coisa, exclusiva e impreterivelmente: o fim da liberdade.
A liberdade finda ao se entrar
numa sociedade, ao se sincronizar com outrem. Platão, em A República, ilustra
muito didaticamente o que faz nascer uma cidade que é a necessidade. Há a
necessidade de conforto, atrelada a de riqueza e a muitas outras, mas uma é
salutar e primária, que é a sobrevivência. A liberdade, conhecida e dita pelos
liberais, é também uma idéia romântica, amoral e que ganha uma forma quando com
alguém e outra forma quando com outro alguém. É aquela coisa que tem de ser
tudo, ao mesmo tempo em que é nada, para assim tentar agradar a todos.
Com efeito, pretende-se uma norma aqui, outra ali: mas nada muito grande,
impactante, de valor robusto, que é para não minar os desejos alheios. Se quer
conservar a liberdade puramente pela liberdade. Não se almeja conservar
valores, condutas e cultura. O que se está em jogo, aqui, entre os liberais, é
uma ânsia por uma nova religião, a da liberdade. Liberdade em prol do quê, para
tornar livre quem, não se sabe. O que se sabe, é que é bom deixar a porta
aberta que, ontologicamente – é claro! – a mão invisível nos traz tudo. Não há como haver civilização alguma mantida a meros preceitos técnicos, que só existem para satisfazer o
indivíduo, única e exclusivamente, mas eis que aqui estão os liberais:
pioneiros, desbravadores de um novo mundo, um novo homem, uma nova moda:
gravatas e manuais de economia para todos.
O liberal quer conservar o
livre-mercado, instituições políticas bem definidas para facilitar o mercado;
gosta de estabilidade social, para assim o livre-mercado correr bem; pretende
consagrar o fim do Estado, para que não haja empecilho ao mercado; deseja,
quase que sempre, fazer uma ponte entre livre-mercado e liberdade, sendo ambas
as coisas completamente dependentes umas das outras, quando não são. Já comentei aqui: primeiro,
antes de tudo, há o fim da liberdade. Em seguida, há o estabelecimento de leis
e a garantia de sobrevivência. Após isso, segue-se inúmeras coisas, e depois se
chega ao livre-mercado. Bom? Sim. Necessário? Não.
Se se deseja conservar algo, é
porque há, em alguma camada mais interna ou externa desse algo, alguma coisa
que possui valor em si. Tal idéia me parece há muito ser esquecida pelos
liberais. Alguns diriam, “é a liberdade”. Não, não é: a liberdade é um estado, uma circunstância. O que há, é algo metafísico; é uma
lei que precede todas as outras e que, de alguma forma, é universal – em
medidas e frequências diferentes, é claro, mas universal. Tamanha negligência
para com um aspecto fundamental da vida, isso que fazem os liberais, e que está
exatamente para além da vida, não os torna muito diferentes de todo o resto que
eles acusam: ambos materialistas, ambos decadentes, louvando coisas perecíveis
e passageiras; atribuindo valores absolutos a coisas ridículas e secundárias,
terciárias, submetendo qualquer significado absoluto à patética vontade individual momentânea.
O liberal tem essa
peculiaridade, que foi a que me deu a inspiração para iniciar tal texto; essa
peculiaridade que é a de, no lugar de esbravejar, falar manso com a manada; no lugar de
ser desleixado, ter modos com a manada; no lugar de ser irracional, presentear
os irracionais com livros, enciclopédias sem fim; no lugar de lutar, tentar
fazer palestras a fim de mostrar como seus argumentos são superiores – ainda que desconheçam completamente a causa real... Ah, o
liberal... Ele é um mártir de uma coisa que, se muito, é
designada como “liberdade” e que, talvez por afinidade sonora, haja certo
séqüito para aquele que a proclama... Mas que liberdade, liberdade a quê,
liberdade a quem? Liberdade a quem quer destruir a sua liberdade? Liberdade a
quem quer profanar a sua sociedade? Liberdade àquele ignora completamente
qualquer juízo de valor e ignora também a vida humana em prol de uma idéia,
causa? E, a propósito, os liberais não parecem fazer isso também?
De poucas coisas eu tenho certeza
nessa vida, mas uma delas é que o que se quer que deseje conservar, de fato,
vale a pena dar sua vida para tal coisa e, assim, abrir mão de qualquer
civilidade para com o inimigo. Não se está apto à idéia alguma aquele que não
está apto a zelá-la mais que a si, pois sua vida entraria em completo fim sem a
ciência de que há algo muito maior que si mesmo. De modo que é tempo de
abandonar os livros, os bons modos, as gravatas e o liberalismo, essa eterna
passividade, condenada a um museu de comédia por tentar atribuir ao espaço vazio o fantástico significado que é o da “liberdade”.