sexta-feira, 26 de abril de 2013

Liberalismo/libertarianismo: a nova boiolagem


Hoje em dia está na moda lançar a idéia de que “se não há argumento, parte-se para a violência”, com uma única exclusividade, a de “enfeiar” o adversário. Essa prática não é somente ridícula como é também um atestado de total ignorância, funcionando, quando com muito otimismo, como uma boa cortina para não transparecer a fragilidade de quem a pronuncia.

Recentemente alguém proclamou essa frase em conversa comigo. Não pude sentir nada além de desprezo pela pessoa, por seu total desconhecimento da situação corrente, por sua total alienação. Foi um liberal quem me presenteou com tal pérola. Atualmente me enojo com os liberais, e isso não é falta de conhecimento da “causa”: já convivi com muitos liberais, leio bastante de economia liberal – o que via ou outra me traz a esse ou aquele liberalismo político – e fui a várias eventos  e “debates liberais”.

Jamais fui liberal, mas já tive certa esperança na causa. Ela foi subitamente extirpada quando me deparei, de fato, com um evento liberal e os seus palestrantes. Era uma situação pícara, onde não sabia se ria, chorava ou xingava: todos aqueles “imponentes” e intelectuais liberais, de voz mansa, de gravatas borboletas, completamente frágeis em si mesmos e que não demonstravam força e virilidade alguma. Sei que a aparência não faz o homem, tampouco suas roupas, mas a forma como se aparenta o faz, pois é um reflexo de sua essência. O que quero dizer com isso é que havia uma ausência de virilidade, de espírito combativo sem tamanho, em todos – eu reafirmo: todos – os liberais que já encontrei em minha vida. Suas entonações de voz, seus excessivos “modos”, suas gravatas borboletas, seus modos de andar... tudo era e é tão cômico. A um homem desses eu não confiaria uma banana, mas eles lá e cá se projetam em nome de uma liberdade da qual, provavelmente, desconhecem completamente – além da liberdade que é dada a todo homem: a de ser ridículo.

Já assisti a certos eventos liberais, já li muitos artigos liberais e já conheci, como dito, muitos liberais. Todos defendem o livre-mercado, o potencial individual etc. Mas de que defendem? De tudo isso que cá está, óbvio! Mas o que cá está? Cá está uma situação onde impera a histeria, o grito, o movimento de massas, a emoção, a irrazoabilidade, o vil, o mau-caratismo... Enfim, cá está uma situação em que não se preza por norma alguma, absolutamente. Entretanto, que fazem os liberais? Presenteiam-nos com argumentos sem fim; com artigos rebuscadíssimos acerca da liberdade para, assim, tentar combater todo esse coletivo decadente. Não faz efeito algum. Tal como há gente enriquecendo em nome das idéias esquerdistas, não me parece que fazem, de fato, muita diferença, os tais liberais, no tocante ao seu liberalismo... A liberdade econômica é só uma conseqüência proveniente de uma moral pré-estabelecida, de valores bem consolidados. Sem isso, ela é impossível e para se ter tal configuração social é necessária uma coisa, exclusiva e impreterivelmente: o fim da liberdade.

A liberdade finda ao se entrar numa sociedade, ao se sincronizar com outrem. Platão, em A República, ilustra muito didaticamente o que faz nascer uma cidade que é a necessidade. Há a necessidade de conforto, atrelada a de riqueza e a muitas outras, mas uma é salutar e primária, que é a sobrevivência. A liberdade, conhecida e dita pelos liberais, é também uma idéia romântica, amoral e que ganha uma forma quando com alguém e outra forma quando com outro alguém. É aquela coisa que tem de ser tudo, ao mesmo tempo em que é nada, para assim tentar agradar a todos. Com efeito, pretende-se uma norma aqui, outra ali: mas nada muito grande, impactante, de valor robusto, que é para não minar os desejos alheios. Se quer conservar a liberdade puramente pela liberdade. Não se almeja conservar valores, condutas e cultura. O que se está em jogo, aqui, entre os liberais, é uma ânsia por uma nova religião, a da liberdade. Liberdade em prol do quê, para tornar livre quem, não se sabe. O que se sabe, é que é bom deixar a porta aberta que, ontologicamente – é claro! – a mão invisível nos traz tudo. Não há como haver civilização alguma mantida a meros preceitos técnicos, que só existem para satisfazer o indivíduo, única e exclusivamente, mas eis que aqui estão os liberais: pioneiros, desbravadores de um novo mundo, um novo homem, uma nova moda: gravatas e manuais de economia para todos.

O liberal quer conservar o livre-mercado, instituições políticas bem definidas para facilitar o mercado; gosta de estabilidade social, para assim o livre-mercado correr bem; pretende consagrar o fim do Estado, para que não haja empecilho ao mercado; deseja, quase que sempre, fazer uma ponte entre livre-mercado e liberdade, sendo ambas as coisas completamente dependentes umas das outras, quando não são. Já comentei aqui: primeiro, antes de tudo, há o fim da liberdade. Em seguida, há o estabelecimento de leis e a garantia de sobrevivência. Após isso, segue-se inúmeras coisas, e depois se chega ao livre-mercado. Bom? Sim. Necessário? Não.

Se se deseja conservar algo, é porque há, em alguma camada mais interna ou externa desse algo, alguma coisa que possui valor em si. Tal idéia me parece há muito ser esquecida pelos liberais. Alguns diriam, “é a liberdade”. Não, não é: a liberdade é um estado, uma circunstância. O que há, é algo metafísico; é uma lei que precede todas as outras e que, de alguma forma, é universal – em medidas e frequências diferentes, é claro, mas universal. Tamanha negligência para com um aspecto fundamental da vida, isso que fazem os liberais, e que está exatamente para além da vida, não os torna muito diferentes de todo o resto que eles acusam: ambos materialistas, ambos decadentes, louvando coisas perecíveis e passageiras; atribuindo valores absolutos a coisas ridículas e secundárias, terciárias, submetendo qualquer significado absoluto à patética vontade individual momentânea.

O liberal tem essa peculiaridade, que foi a que me deu a inspiração para iniciar tal texto; essa peculiaridade que é a de, no lugar de esbravejar, falar manso com a manada; no lugar de ser desleixado, ter modos com a manada; no lugar de ser irracional, presentear os irracionais com livros, enciclopédias sem fim; no lugar de lutar, tentar fazer palestras a fim de mostrar como seus argumentos são superiores – ainda que desconheçam completamente a causa real... Ah, o liberal... Ele é um mártir de  uma coisa que, se muito, é designada como “liberdade” e que, talvez por afinidade sonora, haja certo séqüito para aquele que a proclama... Mas que liberdade, liberdade a quê, liberdade a quem? Liberdade a quem quer destruir a sua liberdade? Liberdade a quem quer profanar a sua sociedade? Liberdade àquele ignora completamente qualquer juízo de valor e ignora também a vida humana em prol de uma idéia, causa? E, a propósito, os liberais não parecem fazer isso também?

De poucas coisas eu tenho certeza nessa vida, mas uma delas é que o que se quer que deseje conservar, de fato, vale a pena dar sua vida para tal coisa e, assim, abrir mão de qualquer civilidade para com o inimigo. Não se está apto à idéia alguma aquele que não está apto a zelá-la mais que a si, pois sua vida entraria em completo fim sem a ciência de que há algo muito maior que si mesmo. De modo que é tempo de abandonar os livros, os bons modos, as gravatas e o liberalismo, essa eterna passividade, condenada a um museu de comédia por tentar atribuir ao espaço vazio o fantástico significado que é o da “liberdade”.