Antes de tudo, é
mister observar o “antes, durante e depois” no tocante ao racismo e às idéias
similares. Vamos a isso, então.
Sendo bastante categórico, posso afirmar que as idéias de que o
negro fosse uma espécie inferior só surgiram após o iluminismo e a famigerada
Revolução Científica. O descompromisso para com os povos de além-mar, promovido
pelos ibéricos, não era nada além de um "desprezo" para com uma outra cultura – e
não um "desprezo" para com uma cultura em especial, ou um grupo étnico em
especial. Ainda assim, é notório reafirmar o que já se sabe: negros escravizam
negros, e, para eles, isso sempre fora natural. É verdade que o negro se tornou
mercadoria doravante no mundo ocidental. Mas cabe aqui pontuar duas coisas: o
negro era uma mercadoria, mas também era um investimento. Pesa-me pensar que
açoites eram naturais, e sadismos no mundo ocidental existisse a toda. Não me
parece razoável danificar um investimento assim, de modo tão banal e doentio. É-me
razoável pensar na escravidão moderna como um vício de uma cultura inferior que
contaminou uma cultura superior – há muito já distanciada de uma conduta tão
desumana –, posto que a
única cultura e povo que se permitiu uma auto-crítica e reflexão sobre seus
atos fora essa, a nossa. Não me parece que os negros se permitiam questionar a
escravidão e a submissão hedionda que infligiam uns aos outros – que nada lhes
valiam, já que sua produção já era garantida e escassa. Na realidade, a
inutilidade do negro dentro de inúmeras tribos africanas só contribuía para
negligência e crueldade para com eles. O fato é que os negros se escravizaram
por séculos, bem como os islâmicos – onde até hoje não houve auto-crítica
alguma. E não me parece que haveria auto-crítica dos povos negros sobre si
mesmos – vide o Sudão atual – , assim como não havia entre os astecas ao
promover sacrifícios infindos. De modo que há de se tirar o chapéu para a
cultura ocidental, cristã.
Posto tudo isso,
cabe-me refletir de modo mais profundo a questão racial e o racismo no Brasil –
sem querer bater o martelo e afirmar que existe ou que não existe tal fenômeno.
A identidade do
negro parece-me, sobretudo, uma das coisas mais artificiais que existe: uma
mistura de ritos, condutas e folclore de inúmeros povos africanos, cujos
registros e essência se perderam há muito e que, não raro, são provenientes de
origens díspares. A identidade negra, em que tenta sustentar-se o movimento
negro, é forçosa e frágil. É uma cultura de aspectos, que visa o parecer – com
finalidades infindas – e não o ser. No mais, não se distancia tanto da cultura
racista, que prioriza uma análise superficial para julgar outrem. Assim que, se
for para condenar uma das duas, que se condenem as duas, pois se sustentam em
mesma complacência fetichista e vulgar, que é a da aparência.
É indissociável
o racismo de uma cultura cujos valores se sustentam no parecer, e não no
indivíduo em questão. O racismo jorra quando se é evocado, e quando também se
pretende evocar. É um equívoco grave, porque é um julgamento de um indivíduo
que se sustenta num coletivo, num estereótipo. E é aí, também, onde reside uma
de minhas grandes críticas ao movimento negro: a idéia de massa. Penso que
movimento algum possa representar o indivíduo completamente, de fato. Há uma
parte substancial e definitiva do homem que está condenada à solidão: a sorrir
só e a sofrer só. Os movimentos de massa, a coletivização de dores, a
reivindicação de direitos para uma parcela, se perde entre as lideranças que
puxam as rédeas para manobras políticas, e nunca chegam ao indivíduo. E por que
não chegam? Porque jamais poderiam realmente chegar. O homem tem de se projetar
para frente da sociedade, a fim de não ser esmagado por ela e, ao mesmo tempo,
triunfar sobre ela. Aliás, boa parte de homens admiráveis foram oriundos de
ambientes perversos e de circunstâncias nefandas. Cismo, cá comigo, que o
sofrimento seja uma das vias de ascensão espiritual mais eficaz... A questão é
que Machado de Assis triunfou numa sociedade repleta de idiossincrasias
mesquinhas e vãs. E não me parece que ele teve tanto ou mais trabalho que um
Beethoven, ou um Pelé ou um Santo Agostinho e até mesmo Jesus Cristo – isso só
para citar por cima.
Por fim, uma das
coisas mais irônicas e curiosas de todo "esse agora", é que se apresenta o Brasil como
conhecido pelo samba e Pelé – o que é verdade –, coisas
genuinamente "negras", mas que parecem ter sido incorporadas por uma "burguesia-leviatã" que a tudo transforma em produto e que as consumiu – mas sem dividir o “lugar
ao sol”. O que me ocorre, com todo esse "resgate" de movimentos de minorias, de teses entupindo faculdades sobre o assunto, é que a história
irá se repetir, somente. Assim segue.