segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Sem acordo

Para harmonizar as relações sociais, econômicas, políticas e morais das civilizações, criou o homem uma harmonia inconsciente entre essas aparentes tensões, à guisa de textos religiosos e revelações divinas, fontes, antes de tudo, de orientação, apontando para o Altíssimo; ora vacilando, ora acertando, um equilíbrio era atingido, mesmo que com dificuldades. As instituições, embora sempre susceptíveis a erros, mantinham suas palavras e honras, organizando-se da melhor forma possível. E no começo do século XX, essas mesmas partes das sociedades, outrora unidas, começaram a se contrapor. O liberalismo é ''ferino às idéias da Igreja'', alguns católicos dizem; ''o cristianismo é inútil para o livre mercado'', bradam alguns liberais; e exemplos dessas recentes brigas não têm fim.

Mas o sistema liberal de economia continua sendo sua exata palavra: liberal. Portanto, tudo, dentro da economia de mercado, é permitido, inclusive injustiças, acúmulo excessivo de dinheiro, diferenças de salários oceânicas, etc. Bastaria isso para notar que o mercado não se regula a si mesmo, com uma mão invisível, justa, pronta para estapear o primeiro crápula capitalista que cause à moral um arranhão. 

E os católicos atuais, embora muitos deles possuam honestidade espiritual em criticar os liberais, não vêem que entre um estado grande, e um estado mínimo, este é melhor que aquele. Só no liberalismo clássico, com um estado pequeno, os católicos (também cristãos em geral e judeus) podem ser verdadeiramente livres para professarem suas crenças, e usarem, da economia livre, sua principal fonte de riqueza: a propriedade privada. Com isso, não só a sociedade fica mais religiosa, mas a religião fica mais social. Cada vez mais homens e mulheres ouviriam as palavras dos profetas e, sem dúvida, muitos, neste processo de expansão de fé, acabariam defendendo a mesma.

Os liberais, embora excelentes economistas e pensadores analíticos, não tinham uma noção límpida da práxis humana (com exceção de Von Mises, que, ainda assim, encontrava certos limites). Por serem extremamente talentosos em uma área específica, falhavam em focar nas outras, tão necessárias quanto formular o melhor dos sistemas econômicos. Böhm-Bawerk, Murray Rothbard, Friederich Hayek e outros liberais eram, em sua maioria, ateus ou agnósticos, completamente desinteressados nas bases morais do mundo ocidental, ou mesmo incapazes de notar a base moral do ocidente, isto é, a popularmente conhecida ''cultura judaico-cristã''.

Já os católicos gritam, quase em uníssono, que a Igreja condena a usura, ou qualquer tipo de ganância material. E isso é verdade. A Igreja de fato condena as injustiças econômicas. E é exatamente por isso que ela precisa coexistir junto ao sistema liberal econômico, não como dependente dele, mas como governante. É o cristianismo que defende o justo e condena o injusto, não a economia. Modelos econômicos, por definição, não podem ser classificados como ''imorais'' ou ''morais''. Fala-se disso de pessoas, e não de objetos inanimados. A economia tem tanta capacidade de ser ''moral'' quanto uma cadeira tem a possibilidade de ser feliz.

É de espantar a completa e entrópica cegueira entre liberais e católicos, não cientes de que eles precisam se ajudar, mais que urgentemente. Fica claro, pois, como o liberalismo necessita do cristianismo para proteger-se de si mesmo, e de como os cristãos não podem ser cristãos sem estarem livres. Liberais precisam de regras morais (cousa que só o cristianismo pode dar); e cristãos necessitam ser livres, econômica e socialmente (cousa que só o liberalismo econômico proporciona).

Mas não há razão para alarme. Fiquemos aqui, esperando que os liberais bolem uma economia à prova de injustiças e os católicos reconheçam que precisam do liberalismo.